Cortes na pele


 


Enquanto o frio se entranha nos ossos

A mão engessada aguarda a libertação do afogo

E as paredes criam rios de gotículas como lágrimas que desmaiam

Aceitando impassíveis o martelo deixando-se esburacar

Pelo parceiro implacável do tempo

Que pela força contorce os canos de alimentação

E o que foi no passado um ninho de luzência

Passa a ruínas que se perpetuam na eternidade

Numa espera paciente de retorno ao aconchego e amenidade

 

Só o pastor-alemão me olha em interrogação

Senta-se a meu lado fixando-me em pacata interrogação

E a sua companhia não impede uma corrente de ar

Apressando a pintura na tela que me trava as mãos em dor

E no contratempo de desânimo

Os rabiscos saem grotescos semelhantes à minha alma

Que em solitude já não canta melodias de amor

 


Foram tantos os cortes na pele

Foram tantas as amarguras que se colaram aos meus órgãos

Que o suposto sinistro se tornou alívio

Premeia-me com uma cronologia de percurso pela serra

Abre-me possibilidades de voo ao encontro do sol

Em direção aos odores da terra

 

 As urtigas que me picam os braços

Na monda arquitetada da revolta

São mensageiras da força que se esconde

Em potência na minha fragilidade

Que transita em pisos inacabados onde demoram

As poças de água do último temporal

Espelhos foscos tentaculares sob um céu desencantado

Enredados de musgo esperança em sereno festival

 


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