Inverno

 

Foto: Ana Maria Oliveira

Este tempo de alheamento paralisa

A fraca respiração sem visionamento

Esperando o murmúrio dos ribeiros

Combater a doença com um sorriso no rosto

Descansar no final da praia

Depois da caminhada pelo areal

Evitar pisar as anémonas à beira-mar desmaiadas

Saltar para dentro de um filme no refúgio entre paredes

Adiar as escolhas olhando as unhas quebradas

 

A gata siamesa mira-me paciente

Como se aguardasse um sinal de atenção

Estes felinos adivinham o sofrimento

Observam-nos os esgares vigiam-nos os gestos

Enroscam-se em nós, como se ansiassem ajudar-nos 

 

Assiste curiosa às minhas tentativas

Do ritual simples de vestir e calçar

Conseguir a rotina de tomar um banho glorioso

Com a mão esquerda incapacitada o exercício é lento

Torna-se um empreendimento penoso

 

Crepita a repetição dolorosa de outras eras

Quantas guerras bramidos e dias aflitos

Na ânsia de navegar em rios mansos

Sem jogos psicológicos

Sem manipulações e cercas fechadas

Agora não sustento o silêncio a crispação

É chegada a hora de construir novas calcorreadas

 

Transpor o portal descorando o livro sobre a mesa

Desenhar símbolos na terra comunicando com o invisível

Precaver-me do frio na gélida aragem

Deixar partir quem nos ignora

Andarilhar pela mata de árvores mortas

Apanhar expectante as flores no campo

Abraçar o paradoxo agarrando a coragem

 

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