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Débil memória

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    Foto: Ana Maria Oliveira                              Não tenho memória Peguei-lhe fogo nos dias de loucura Em que mergulhei nua nas praias inventadas Pelo desespero de me sentir encurralada nas decisões mais penosas Agora anseio renascer noutro planalto em majestade Onde as gazelas correm à frente dos leões ziguezagueando Lutando pela vida num jogo faminto de sangue Desejo a energia do presente esvoaçando em meu redor Respirar o sol o frio o nevoeiro a neve a chuva a tempestade   Perdi a memória Tornei-me loba desconfiada e solitária que recolhe à toca Para recarregar o corpo com os nutrientes Improvisados perante a chacina anunciada Na agitação da bandeira negra dos homicidas Agora as entranhas rejeitam a carne Disfarçada de especiarias em podridão Anunciando percursos em esconderijos Evitando o vozeado da multidão   Ausentou-se a memória Há um...

O baú do passado

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  Foto: Ana Maria Oliveira O baú de talha chinesa permanece em zona de passagem Qual portal misterioso nem no corredor nem na sala Parece indeciso do lugar que ocupa no espaço A arca é nave de retorno ao passado impreciso Gera a insurreição que sustenta ainda os sonhos de paz e amor Caixa de sintonia com outros passos e palavreados Abraça tecidos ebúrneos por onde mãos sábias acariciaram As linhas empreendedoras de afagos e bordados     As lágrimas incontidas regam as almas perdidas para o cosmos Que extravasa de contaminações e ligações como se não passasse De uma serpente dançante abocanhando galáxias trepidantes Desenhistas de mistérios enredos cortes e costuras Ponteados por entre as aberturas de calamidades sussurrantes   A madeira golpeada eterniza suspiros Testemunhos sentidos no dilacerar do corpo Regista dragões alados ondulantes no imaginário humano Gotejam pelejas em jogos de vida e morte estigmatizadas Desbravando um ...

O império gelado das máquinas

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  Foto: Ana Maria Oliveira Ensaiam-se correntes de sistemas aprisionados Bloqueados pelo cadeado do poder manipulador Entre acrobacias gritantes de socorro de cérebros acanhados Enquanto dormem os servos ignorantes De fácil manobra pelo vício retesados   Abrem-se portais temporários por onde acessam os cretinos Convencidos de sabedoria vendável Criam dependência de incompetentes Dão falsa assistência provocam viroses Enterram metálicas artroses encurralam o rebanho Degolam os ineptos e impotentes     Humanos debilitados assustados angustiados Incapacitados de sobrevoar panoramas futuristas São criaturas cansadas paradas e mudas Debitando opiniões aguerridas Por onde o sangue e a matança transbordam Não veem as vigias no alto que afinam a mira para o tiro certeiro Programadores para a matança espiam gestos através da rede Expressões choros e risos o corpo e a linguagem Seremos extintos na revolta das águas Hipnotizados pel...

A rua

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  Foto: Ana Maria Oliveira Outrora terra batida cercada por olivais e searas Foi projeto de aconchego a famílias de aldeias Onde a míngua era o pão nosso de cada dia e as carícias raras Esperançados nas promessas da grande cidade Investiram os últimos tostões e apostaram no desconhecido Este é o caminho daquele que rompe com a miséria impondo a vontade A classe operária no seu ritual robótico vingou O pesadelo da fome ao lado passou contornando as censuras Apesar de um governo débil e medíocre que maltrata Finalmente um teto sobreveio ultrapassando agruras   A criançada para a rua se alvoraçou e juntou Traquinices e risotas corridas e aventuras Foi tempo de construção Agora a rua tem no chão tijolos de betão Irregular aos altos e baixos sem planeamento Ao sabor de tempestades e do vento Da sorte florida impregnada de determinação Os construtores da rua de velhice faleceram Os seus filhos outras vidas tiveram Vícios sonhos desastres med...

Esgar irreconhecível

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    Foto: Ana Maria Oliveira O pensamento ultrapassa a velocidade da luz Num empurrão regresso ao gelo esmagada pelo rochedo A solução para os problemas retarda e tarda o envolver bucólico Arrasto-me na sequência dos poços de tempo nebuloso O coração mapeia lugares balançantes e topografias instáveis Equilibra-se na penumbra enfastiado com tanta luz artificial Com os ouvidos em combustão invadidos pelo ruído diabólico     As telas inacabadas refletem a dança hipnótica do universo O algoritmo do reconhecimento facial permanece no passado A forma automática de reagir vomita um esgar irreconhecível Na cinematografia do esquecimento e dos cenários possíveis Num código binário que não apreende os floreados nem o sopro Nem o cloreto de sódio escorrendo do olhar Sujeito-me aos comandos de repetição e variáveis irreversíveis     Absorvo radiações compactas de risos e sorrisos sem nexo  As mãos adquirem agora garras pos...

O palco da indiferença

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  Foto: Ana Maria Oliveira Cá estou outra vez cativa deste jogo de marionetas sorridentes  Na mesma hora abandonando o pensamento na enxurrada do tempo No mesmo local aprisionando o corpo em arquiteturas efémeras Ativando no interior do ser reflexos que se emaranham Que dançam esperneiam incomodam assustam lacerando quimeras   Mas a calmaria faz pacto com as profundezas em alvoroço Do edifício humano que me envolve e sustém Os passos de outrora fortalecem a caminhada de agora As lágrimas do pretérito enxugam as gotas suspensas de penhascos Que os meus braços feitos asas irão ultrapassar na aurora   As agruras de ontem alavancam o erguer da cabeça E provocam o corpo na orientação da vida e das estrelas Rodopiando num ritual cerimonioso no presente sagrado Por veredas que se destacam por arribas e praias eternamente belas   As contusões transformaram-se no fortalecimento dos músculos  Na vontade imperativa de respirar e pro...

Fronteiras em delírio

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  Foto; Ana Maria Oliveira Germina o terror nas embarcações flutuantes Ao serviço dos egocêntricos e gananciosos Açambarcadores de humanos famintos pela noite calada Prepara-se a contenda no improviso das lágrimas No desacerto dos ponteiros do relógio Que permanece apontando a carnificina sofisticada   A tensão rompe fronteiras em delírio Onde as crianças desaparecem na convergência da paranoia Os danos colaterais são assinalados a frio De forma robótica e precisa sem alarido Como uma criatura nascida para obedecer e sem apego Programada para realizar a cisão necessária À implementação do poderio empedernido   Somos assolados pelo deslize dos corpos em decomposição Empurrados pela derrapagem das viaturas sem freio Pontapeados pela tempestade que sobrevém ao inferno do fogo Surge então um batimento cardíaco rasgado pelo furacão cego Esbarrando com a ausência de empatia de seres medonhos Potências macabras que enlouquecem esquartejand...